Migração, trabalho e violência na UE

Abaixo um excelente artigo do Professor José Pastore, da USP, especialista em relações de trabalho, sobre a migração e o mercado de trabalho na UE, publicado no jornal "O Estado de São Paulo", em 15 de novembro de 2005.

Migração, trabalho e violência na UE

José Pastore

A União Européia tem mostrado uma grande ambivalência em relação aos imigrantes. Ao mesmo tempo que os países precisam de estrangeiros, os nativos temem perder empregos e renda.Um dos mais graves problemas da Europa é a falta de crianças. Em muitos países, os governos oferecem incentivos aos casais. A Itália e a França os presenteiam com US$ 1.200 para cada novo bebê. A Alemanha dá-lhes um grande alívio de impostos, além de prover recursos para creches e outras instituições que cuidam dos recém-nascidos.
Apesar disso, a média de filhos das mulheres européias férteis é de apenas 1,2. Isso está muito abaixo da taxa de reposição da população, que é de 2,1. Na outra ponta, os idosos esticam a vida média para além dos 80 anos. Ou seja, os "consumidores" das políticas públicas crescem aceleradamente, enquanto os provedores de impostos decrescem desastrosamente. A equação não fecha. Sem a entrada de migrantes, a população da Europa cairá no futuro próximo e não haverá recursos para sustentar os mais velhos, muito menos para dar iguais oportunidades aos estrangeiros.
Em 2003 os imigrantes somavam 56 milhões (8% da população), distribuídos em todos os níveis, inclusive no técnico-científico, no qual as empresas, as universidades e os institutos de pesquisa procuram talentos que se disponham a trabalhar em condições inaceitáveis pelos nativos. Daí a entrada maciça de profissionais especializados da Índia, da China e das ex-Repúblicas Soviéticas.
O problema se repete no nível das atividades menos sofisticadas, como construção, agricultura, hotelaria, restaurantes, auxiliares de saúde, serviços domésticos e pessoais. Muitos nativos rejeitam as vagas existentes, que, por sua vez, são preenchidas pelos que vêm da Argélia, do Iraque, do Irã, do Afeganistão, da Turquia, do Marrocos, da ex-Iugoslávia, da Albânia, da Polônia, da República Checa e da Ásia (Christina Boswell, Migration in Europe, Genève: Global Comission on International Migration, 2005).
Por que isso acontece? Porque os nativos podem dar-se ao luxo de ficar sem trabalhar, usufruindo os benefícios generosos do seguro-desemprego, da previdência e dos programas de assistência social. Tais programas, que custam muito, inviabilizam as finanças públicas, reduzem a capacidade de investir e comprometem a geração de empregos.
A invasão de estrangeiros nos arredores das grandes cidades européias resulta da conjugação de um grave problema demográfico com um sério problema econômico decorrente de instituições de proteção social que foram desenhadas para muitos pagantes e poucos beneficiados. Hoje tudo se inverteu.
Além disso, proteções excluem a maioria dos imigrantes, que moram, trabalham e estudam em situações precárias. Nessas condições, o salto da frustração para a tensão e o conflito é relativamente curto - basta um estopim -, como os que ocorrem na França e em outros países.
A migração na Europa, ainda que necessária, é vista como um estorvo. A hostilidade dos nativos é crescente. Votaram contra a Constituição Européia. Demandam firmeza dos governantes. Relacionam imigração com criminalidade e terrorismo. E só toleram os estrangeiros quando lhes convém e trabalham como ilegais nas atividades menos sofisticadas (European Committee on Migration, New patterns of irregular migration in Europe, Strasbourg: Council of Europe Publishing, 2003).
Para manter os 170 milhões de pessoas que compõem a sua força de trabalho a União Européia precisa aumentar a entrada de imigrantes dos atuais 860 mil para 1,4 bilhão ao ano. Como os eleitores negam seu voto a quem apóia essa tese, os governantes passaram a enrijecer as regras de entrada legal, o que instigou a entrada ilegal, aumentando anda mais o potencial de conflitos.
Para os já residentes há alguns programas de integração, a maioria malsucedida, como foi o caso da controvertida proibição do uso dos véus muçulmanos, em 2004, nas escolas francesas. As diretrizes de um bom convívio entre imigrantes e nativos aprovadas pelo Parlamento Europeu ainda não se materializaram. A confusão é grande. Por isso, as insurreições da França se estão alastrando. Será difícil contê-las com toques de recolher e ameaças de deportação. Demografia é destino. Economia é restrição. Instituição é acomodação. Nada poderá ser feito sem um profundo acerto nessas três áreas.